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  • Foto do escritorFábio Malavoglia

Episódio 47

Episódio 47 A MAGIA DOS JOGOS

Textos do Episódio

 

Vinicius de Moraes O Anjo das Pernas Tortas

A um passe de Didi, Garrincha avança Colado o couro aos pés, o olhar atento Dribla um, dribla dois, depois descansa Como a medir o lance do momento.

Vem-lhe o pressentimento; ele se lança Mais rápido que o próprio pensamento Dribla mais um, mais dois; a bola trança Feliz, entre seus pés — um pé de vento!

Num só transporte, a multidão contrita Em ato de morte se levanta e grita Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: — Goooool! É pura imagem: um G que chuta um O Dentro da meta, um L. É pura dança!

 

Paulo Leminski dos poemas de futebol - II quero a vitória do time de várzea valente covarde a derrota do campeão 5 X 0 em seu próprio chão circo dentro do pão

 

Pier Paulo Pasolini numa entrevista sobre futebol “Il calcio è l'ultima rappresentazione sacra del nostro tempo. È rito nel fondo, anche se è evasione. Mentre altre rappresentazioni sacre, persino la messa, sono in declino, il calcio è l'unica rimastaci. Il calcio è lo spettacolo che ha sostituito il teatro.” ***

O futebol é a última dramatização sagrada do nosso tempo. No fundo é um ritual, mesmo que seja também escapismo. Enquanto outras dramatizações sagradas, até a missa, estão em declínio, o futebol é a única que nos restou. O futebol é o espetáculo que substituiu o teatro.

 

João Cabral de Melo Neto De um jogador brasileiro a um técnico espanhol

Não é a bola alguma carta que se leva de casa em casa:

é antes telegrama que vai de onde o atiram ao onde cai.

Parado, o brasileiro a faz ir onde há-de, sem leva e traz;

com aritméticas de circo ele a faz ir onde é preciso;

em telegrama, que é sem tempo ele a faz ir ao mais extremo.

Não corre: ele sabe que a bola, Telegrama, mais que corre voa.

 

Paulo Leminski (sem título) Sorte no jogo azar no amor de que me serve sorte no amor se o amor é um jogo e o jogo não é meu forte meu amor?

 

“Rayuela”, de Julio Cortázar, según Mario Vargas Llosa en un artículo de 1991

“Para el, escribir era jugar, divertirse, organizar la vida, las palabras, las ideas con la arbitrariedad, la libertad, la fantasía y la irresponsabilidad con que lo hacen los niños o los locos. Pero jugando de este modo la obra de Cortázar abrió puertas inéditas, llegó a mostrar unos fondos desconocidos de la condición humana y a rozar lo trascendente, algo que seguramente él nunca se propuso”. *** “O Jogo da Amarelinha”, de Julio Cortázar, segundo Mario Vargas Llosa num artigo de 1991 “Para ele, escrever era jogar, divertir-se, organizar a vida, as palavras, as ideias, com a arbitrariedade, a liberdade, a fantasia e a irresponsabilidade das crianças ou dos loucos. Mas, jogando assim, a obra de Cortázar abriu portas inéditas, conseguiu mostrar certas camadas desconhecidas da condição humana e flertou com o transcendental, algo a que certamente ele nunca se propôs.”


 

Jules Supervielle Figures Je bats comme des cartes

Malgré moi des visages,

Et, tous, ils me sont chers.

Parfois l'un tombe à terre

Et j'ai beau le chercher

La carte a disparu.

Je n'en sais rien de plus.

C'était un beau visage

Pourtant, que j'aimais bien.

Je bats les autres cartes.

L'inquiet de ma chambre,

Je veux dire mon coeur,

Continue à brûler

Mais non pour cette carte,

Q'une autre a remplacée:

C'est nouveau visage,

Le jeu reste complet

Mais toujours mutilé.

C'est tout ce que je sais,

Nul n'en sait d'avantage. ***

Jules Supervielle

Rostos tradução de Carlos Drummond de Andrade Baralho a contragosto

Como cartas os rostos,

E todos me são caros.

Às vezes algum tomba,

Inútil procura-lo.

Desaparece a carta.

Nada sei a respeito.

Entretanto era um rosto

Que eu amava, e tão belo.

Baralho as outras cartas.

O inquieto do meu quarto,

Ou seja, o coração,

A arder continua,

Não já por essa carta,

Por outra em seu lugar.

É um novo semblante.

E o baralho, completo,

Mas sempre desfalcado.

Eis tudo quanto sei,

E ninguém sabe mais.

 

João Cabral de Melo Neto Alguns Toureiros


Eu vi Manolo Gonzáles

e Pepe Luís, de Sevilha:

precisão doce de flor,

graciosa, porém precisa.


Vi também Julio Aparício,

de Madrid, como Parrita:

ciência fácil de flor,

espontânea, porém estrita.


Vi Miguel Báez, Litri,

dos confins da Andaluzia,

que cultiva uma outra flor:

angustiosa de explosiva.


E também Antonio Ordóñez,

que cultiva flor antiga:

perfume de renda velha,

de flor em livro dormida.


Mas eu vi Manuel Rodríguez,

Manolete, o mais deserto,

o toureiro mais agudo,

mais mineral e desperto,


o de nervos de madeira,

de punhos secos de fibra

o da figura de lenha

lenha seca de caatinga,


o que melhor calculava

o fluido aceiro da vida,

o que com mais precisão

roçava a morte em sua fímbria,


o que à tragédia deu número,

à vertigem, geometria

decimais à emoção

e ao susto, peso e medida.

 

João Cabral de Melo Neto

O futebol brasileiro evocado na Europa A bola não é a inimiga

como o touro, numa corrida;


e, embora seja um utensílio

caseiro e que se usa sem risco,


não é o utensílio impessoal,

sempre manso, de gesto usual:


é um utensílio semivivo,

de reações próprias como bicho


e que, como bicho, é mister

(mais que bicho, como mulher)


usar com malícia e atenção

dando aos pés astúcias de mão.

 

Carlos Drummond de Andrade

Futebol Futebol se joga no estádio?

Futebol se joga na praia,

futebol se joga na rua,

futebol se joga na alma.


A bola é a mesma: forma sacra

para craques e pernas-de-pau.

Mesma a volúpia de chutar

na delirante copa-mundo

ou no árido espaço do morro.


São vôos de estátuas súbitas,

desenhos feéricos, bailados

de pés e troncos entrançados.


Instantes lúdicos: flutua

o jogador, gravado no ar

- afinal, o corpo triunfante

da triste lei da gravidade.

 


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