Episódio 45 DE VOZES E VERSOS
Textos do Episódio
Safo de Lesbos
A ME PARE UGUALE AGLI DÈI
tradução em italiano do original em grego antigo por Salvatore Quasimodo
A me pare uguale agli dèi
chi a te vicino cosi dolce
suono ascolta mentre tu parli
e ridi amorosamente. Subito a me
il cuore si agita nel petto
solo che appena ti veda, e la você
si perde sulla lingua inerte.
Un fuoco sottile affiora rapido alla pelle,
e ho buio negli occhi e il rombo
del sangue alle orecchie.
E tutta in sudore e tremante
come erba patita scoloro:
e morte non pare lontana
a me rapita di mente. *** Safo de Lesbos
IGUAL PARECE-ME AOS DEUSES
tradução de Fabio Malavoglia sobre versão de Salvatore Quasimodo
Igual parece-me aos deuses
ele que próximo tão doce som
escuta enquanto falas
e o amoroso riso. Súbito
o coração desperta no peito
só por te ver, e a voz
se perde sobre a língua inerme:
um fogo sutil aflora rápido à pele,
escurecem os olhos e ruge
meu sangue nos ouvidos.
E toda em suores tremendo
sou pálida grama pisada:
e morte não parece distante
de mim raptada na alma.
Pablo Neruda
SONETO LII (de “Cien Sonetos de Amor”)
Cantas y a sol y a cielo con tu canto
tu voz desgrana el cereal del día,
hablan los pinos con su lengua verde:
trinan todas las aves del invierno.
El mar llena sus sótanos de pasos,
de campanas, cadenas y gemidos,
tintinean metales y utensilios,
suenan las ruedas de la caravana.
Pero sólo tu voz escucho y sube
tu voz con vuelo y precisión de flecha,
baja tu voz con gravedad de lluvia,
tu voz esparce altísimas espadas,
vuelve tu voz cargada de violetas
y luego me acompaña por el cielo.
*** Pablo Neruda SONETO LII (dos “Cem Sonetos de Amor”)
tradução de Fabio Malavoglia
Cantas e ao sol e ao céu com o teu canto
a tua voz debulha o cereal do dia,
pinheiros falam com sua língua verde:
gorjeiam todos os pássaros do inverno.
O mar lota de passos as suas caves,
soam sinos, correntes e gemidos,
tilintam os metais e os utensílios,
rangem as rodas de uma caravana.
Porém só à tua voz escuto e sobe
tua voz com voo e precisão de flecha,
desce tua voz grávida de chuva,
tua voz esparge altíssimas espadas,
volta tua voz pesada de violetas
e logo me acompanha céu afora
Oscar Wilde
MY VOICE
Within this restless, hurried, modern world
We took our hearts’ full pleasure—You and I,
And now the white sails of our ship are furled,
And spent the lading of our argosy.
Wherefore my cheeks before their time are wan,
For very weeping is my gladness fled,
Sorrow hath paled my lip’s vermilion,
And Ruin draws the curtains of my bed.
But all this crowded life has been to thee
No more than lyre, or lute, or subtle spell
Of viols, or the music of the sea
That sleeps, a mimic echo, in the shell.
***
Oscar Wilde
MINHA VOZ
tradução de Fabio Malavoglia
Neste insano mundo moderno sem repouso
Demos ao coração pleno prazer, tu e eu,
agora as alvas velas do navio dobradas,
está esgotada a carga que rendeu.
Assim me empalidece a face antes da hora,
Minha alegria se esvai por choro e dano,
A tristeza desbota o rubro de meus lábios
e a Ruína em meu leito fecha o pano.
Mas para ti todo o tumulto dessa vida
foi só uma lira, ou alaúde, sutil magia
de violinos, ou música do mar adormecida
num eco imitador que à concha ouvias.
Fagundes Varela HARMONICÓRDIO O homem fala e a mulher cochicha,
O papagaio palra, o corvo grasna,
Cacareja a galinha, a rã coaxa,
Gorjeia o sabiá, chilra a cigarra;
Late o cão, mia o gato e grunhe o porco,
A raposa regouga, o touro muge,
Arrulha a linda pomba, zurra o asno,
Assobia o macaco e berra a cabra;
Ruge o leão, mas o corcel relincha,
Silva a serpente e o fradalhão se esgoela,
compõe o mestre belas harmonias,
– Só o poeta as compreende e canta!
William Blake
LAUGHING SONG (1789)
When the green woods laugh with the voice of joy,
And the dimpling stream runs laughing by;
When the air does laugh with our merry wit,
And the green hill laughs with the noise of it;
When the meadows laugh with lively green,
And the grasshopper laughs in the merry scene,
When Mary and Susan and Emily
With their sweet round mouths sing "Ha, ha he!"
When the painted birds laugh in the shade,
Where our table with cherries and nuts is spread:
Come live, and be merry, and join with me,
To sing the sweet chorus of "Ha, ha, he!"
***
William Blake
CANÇÃO DO RISO (1789) tradução de Fabio Malavoglia (última versão)
Quando a selva ri jubilosa à voz,
E o arroio a rir crispa-se veloz;
Quando o ar se ri pelo nosso humor
E alto monte ri verde a tal rumor;
Quando vai o verde campear hilário
E o grilo a rir salta no cenário,
Com Maria, Susana, Emília a mercê
Do redondo doce canto de “Há, Há, Hê!”
E a irisada sombra d’aves se demora
Sobre a mesa posta de amêndoa e amora,
Vivo vem feliz me encontrar você
A cantar o doce coro de “Há, Há, Hê!”
Gary Snyder UM TEXTO SOBRE A VOZ
Uma das primeiras coisas que os bebês fazem é cantar para eles mesmos. As pessoas fazem isso espontaneamente – um uso diferente da voz. Por “música” não devemos limitar-nos ao conceito de letra e melodia, mas devemos entendê-la como voz enquanto voz, que é a deusa sânscrita VAK – deusa da fala, da música, da linguagem e da inteligência. A voz, em si, é uma manifestação do nosso eu interior.
Robert Desnos LA VOIX
Une voix, une voix qui vient de si loin
Qu'elle ne fait plus tinter les oreilles,
Une voix, comme un tambour, voilée
Parvient pourtant, distinctement, jusqu'à nous.
Bien qu'elle semble sortir d'un tombeau
Elle ne parle que d'été et de printemps.
Elle emplit le corps de joie,
Elle allume aux lèvres le sourire.
Je l'écoute. Ce n'est qu'une voix humaine
Qui traverse les fracas de la vie et des batailles,
L'écroulement du tonnerre et le murmure des bavardages.
Et vous ? Ne l'entendez-vous pas ?
Elle dit "La peine sera de courte durée"
Elle dit "La belle saison est proche."
Ne l'entendez-vous pas ?
***
Robert Desnos
A VOZ
tradução de Fabio Malavoglia
Uma voz, uma voz que de tão longe vem
Que já não faz mais tinir nossos ouvidos,
Uma voz, como um tambor, sumida,
Vem, porém, distintamente, a nós.
Embora pareça que brota de uma tumba
Não fala mais que que de verões e primaveras.
E preenche o corpo de um júbilo,
E ilumina os lábios de sorrisos.
Eu a escuto. Não é mais que uma voz humana
Que atravessa o fragor da vida e das batalhas
O desabar das desgraças e o murmúrio das intrigas.
E vocês ? Não conseguem ouvi-la?
Ela diz "A pena será de curta duração"
Ela diz "Está para chegar a bela estação"
Vocês não conseguem ouvi-la?
HINO DA REPÚBLICA (1890) letra Medeiros e Albuquerque / música de Leopoldo Miguez refrão Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz
Fabio Malavoglia HUMANIDADE Nos desmedidos
desfiladeiros do Tempo
há procissões e coros.
E de vez em vez,
no contracanto,
uma só voz,
solando.
Aê-êêêêê.....!