POEMAS DE JAZZ E BLUES, E VERSOS DE LANGSTON HUGHES
Textos do Episódio
Roberto Muggiati
De “Rock, o grito e o mito” (São Paulo, Vozes, 1973) da introdução, “O Grtito” (fragmentos) ...berros de estranha entonação eram uma atividade expressiva comum entre os nativos da África Ocidental. O primeiro grito negro cortou os céus americanos como uma espécie de sonar, talvez a única maneira de fazer o reconhecimento do ambiente novo e hostil que o cercava. À medida que o escravo afundava na cultura local – representada, no plano musical, pela tradição europeia – o grito ia se alterando, assumia novas formas. Servia de suporte às canções-de-trabalho e às cantigas-de-escárnio, aos cânticos religiosos (muitos deles obedecendo ao esquema de chamada-e-resposta), a spirituals, a gospel-songs, e às canções de menestréis. Em torno do berro iam se acumulando novos sistemas sonoros, mas ele permanecia a estrutura primeira. O núcleo da expressão musical negra... Foi do casamento do grito escravo com a harmonia europeia que nasceu o blues.... A marca do blues, a sua célula básica, é a blue note – e isso se aplica também ao jazz e de certa forma ao rock. Essas blue notes formam a tonalidade-blue (isto é, “triste”, “melancólica”) ...Quando os primeiros berros cortaram, a noite americana, eram manifestações tão pessoais que identificam imediatamente o indivíduo que os emitia. “Aí vem o Sam”, comentava a namorada, ou o amigo. “Will Jackson está chegando”, ou ainda: “Acabo de ouvir Archie dobrando a esquina”. Os blues também eram marca de individualidade: havia blues de Blind Lemon, blues de Willie Johnson. Já nos primeiros berros se encontrava o material idiomático que caracteriza o blues: o tempo lento, o portamento exagerado, a preferência pela blue note, o sentimento melancólico...
Langston Hughes (1902 – 1967)
The Blues
When the shoe strings break
On both your shoes
And you're in a hurry-
That's the blues.
When you go to buy a candy bar
And you've lost the dime you had-
Slipped through a hole in your pocket somewhere-
That's the blues, too, and bad!
........................
Langston Hughes
O Blues
tradução (com liberdades) de Fabio Malavoglia
Se o sapato aperta E nos pés é um quisto
Logo quando há pressa – Saiba, o blues é isto.
E se chocolate você foi comprar
E o tostão que tinha sumiu afinal –
teu bolso furado em algum lugar –
Blues também é isto, o sabor do mal!
Langston Hughes (1902 – 1967)
Juke Box Love Song
I could take the Harlem night
and wrap around you,
Take the neon lights and make a crown,
Take the Lenox Avenue busses,
Taxis, subways,
And for your love song tone their rumble down.
Take Harlem's heartbeat,
Make a drumbeat,
Put it on a record, let it whirl,
And while we listen to it play,
Dance with you till day--
Dance with you, my sweet brown Harlem girl.
........................
Langston Hughes
Canção de Amor na Vitrola
tradução de Fabio Malavoglia
Pegaria o Harlem à noite
pra torcê-lo a teu redor,
Pra fazer uma coroa pegaria luz de neon,
Pegaria carro e Avenidas,
E os táxis, e o metrô,
E por tua canção de amor à surdina iria o tom
E do Harlem o rubor
Pulsaria como tambor,
Que gravado em rodopio,
A girar e a ser ouvido,
Faz dançar o dia nascido
Com você, mulata doce, que no Harlem acaricio.
Langston Hughes (1902 – 1967)
“Jazzonia” Oh, silver tree!
Oh, shining rivers of the soul!
In a Harlem cabaret
Six long-headed jazzers play.
A dancing girl whose eyes are bold
Lifts high a dress of silken gold.
Oh, singing tree!
Oh, shining rivers of the soul!
Were Eve's eyes
In the first garden
Just a bit too bold?
Was Cleopatra gorgeous
In a gown of gold?
Oh, shining tree!
Oh, silver rivers of the soul!
In a whirling cabaret
Six long-headed jazzers play.
........................ Langston Hughes “Jazzonia”
tradução de Fabio Malavoglia
Oh, selva em prata! Oh, chamejantes rios da alma!
Há no Harlem um cabaret: Seis cabeças afiadas tocam jazz. A dançarina do olhar de gozo Alteia a saia d’ouro sedoso.
Oh, selva em canto! Oh, chamejantes rios da alma!
E de Eva no jardim era o olhar ousado assim? E Cleópatra gozosa se dourava no cetim?
Oh, selva em chamas!
Oh, prateados rios da alma!
Rodopia o cabaret,
Seis cabeças afiadas tocam jazz.
Langston Hughes (1902 – 1967) April Rain Song Let the rain kiss you
Let the rain beat upon your head with silver liquid drops
Let the rain sing you a lullaby
The rain makes still pools on the sidewalk
The rain makes running pools in the gutter
The rain plays a little sleep song on our roof at night
And I love the rain.
........................ Langston Hughes Canção da Chuva de Abril Tradução de Fabio Malavoglia Deixe a chuva beijar você
Deixe a chuva pingar na tua testa as gotas de água e prata
Deixe a chuva entoar um acalanto
A chuva faz ainda poças na calçada
A chuva faz correr regatos na sarjeta
A chuva canta a miúda canção do sono de noite no nosso teto
E eu amo a chuva.
Louis Cattiaux de Física e Metafísica da Pintura do Capítulo 30, “Sugestão” O erotismo, que foi uma fonte de criação excepcional na arte oriental, por desgraça foi impiedosamente rechaçado pela moral cristã. A obra erótica sabe conservar a parte espiritual indispensável em toda verdadeira criação. O fato de ter sido desprezada e proibida simplesmente provocou o aparecimento das tão tristes e bestiais obras pornográficas.
................................................................ Trigger
Fabio Malavoglia
Ela morava no circo
(era a cantora, a crooner)
mas por alguma razão
assinaria os papéis.
Fácil não era e uma vez
sem mais nem menos entrou
numa de nossas reuniões
com seu tubinho de franjas
e o olhar debochado
até fazer-me pedir
que ela saísse dali
mesmo que entrasse depois
pelos meus sonhos no dia
em que a encontrei no balcão
branco fazendo a limpeza
onde sentou e cantou
só para mim todo o blues
que terminava dizendo
que prometia nunca mais
“...a single wo-ord to youuuu...”
vindo do fundo onde a alma
dela me amava e eu a ela.
E outra vez eu a vi
numa reunião insisti
“...mas como eu fui expulsa...”
ela dizia e eu olhava
perto sua face
seu corpo
a sua roupa colada
cores de flores e a flor
entre seus crespos cabelos
até que inquieta largou
tudo no meio e saiu
e eu ainda a vi
com sua amiga de longe
nos corredores do circo –
“Trigger!!!” – gritei
mas perdi
no labirinto de pano
a doce pista da deusa
de quem só achei uma ninfa
negra que disse “não sei...
veja se está por aí...”.
Do Ímã RádioCast #30
texto após “Trigger” Fabio Malavoglia
...E a procuro até hoje, por entre panos e cores, num labirinto que é circo, palco, plateia e arena... e que está dentro... e me espera. “Trigger”, seu nome, me intriga, já que engatilha em mim algo que ainda engatinha. Aparição fugidia, coisa que está por cumprir, busca secreta de tudo que eu não sei o que é, voz e dolente canção, e as pegadas deixadas... perto do meu coração...