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  • Foto do escritorFábio Malavoglia

Episódio 29

Atualizado: 3 de jul. de 2022

AVENTURAS E ALEGRIAS DE SÃO PEDRO Textos do Episódio

 

Evangelho segundo Mateus 16: 19 E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.”


 

O Trigo Sarraceno das “Fábulas Italianas” coletadas e recontadas por Ítalo Calvino (São Paulo, Cia. das Letras, 1992, pp. 115-116)


Ao cair do Sol, três viajantes suados, acalorados, empoeirados, entraram numa aldeia. Nos pátios estavam terminando de bater o trigo e pelo ar voavam montes de cascas.

– Ó de casa! – disseram os três para uma mulher que estava tirando as cascas.

A mulher, que era uma viúva, mandou-os entrar, deu-lhes de comer e os deixou dormir no feno, com a condição que no dia seguinte ajudassem a bater o feno, Os viajantes, que eram o Senhor, São João e São Pedro, foram dormir no depósito de feno. Ao despontar do dia, Pedro ouviu o galo cantar e disse:

– Vamos, apressemo-nos em nos levantar, pois comemos e é justo que se trabalhe.

– Durma e fique quieto – respondeu o Senhor, e São Pedro se virou para o outro lado.

Tinham acabado de pegar no sono outra vez, quando apareceu a viúva com uma vara na mão e: – Como é? Pensavam que iam ficar na moleza até o dia do Juízo? Depois de terem comido e bebido às minhas custas? – Deu uma paulada nas costas de Pedro e foi embora furiosa. – Viram como eu tinha razão? – disse Pedro esfregando as costas – Coragem, vamos trabalhar, senão esta desgraçada nos dá uma surra.

E o Senhor, de novo:

– Durma e fique quieto.

– Belo conselho: mas, se ela voltar, quem leva sou eu!

– Se tem tanto medo de uma mulher – disse o Senhor – troque de lugar com João. Mudaram de lugar e todos os três voltaram a dormir.

A viúva reapareceu encolerizada, com a vara.

– Como, ainda estão dormindo? – E, para não ser injusta, desta vez deu uma bordoada no do meio: que era de novo Pedro!

– Sempre eu – gemia Pedro. E o Senhor, para tranquiliza-lo, trocou de lugar com ele.

– Assim você fica mais protegido. Durma e fique quieto.

Voltou a viúva e:

– Agora é sua vez! – E largou outra paulada em Pedro, que desta vez pulou para fora do feno. – O Senhor pode dizer o que quiser, mas aqui eu não fico – e correu para o pátio a fim de pegar a debulhadora e trabalhar o mais longe que pudesse daquele diabo de mulher.


Dali a pouco chegaram o Senhor e São João, pegaram as debulhadoras eles também, mas o Senhor disse: – Tragam-me um tição aceso – E, fazendo um sinal aos outros para que ficassem quietos, pôs fogo nos quatro cantos do terreiro. Num instante se fez uma grande labareda que envolveu os feixes de espigas. Quando se apagou, pensavam ver só cinzas: ao contrário, toda a forragem estava do lado direito, toda a palha do lado esquerdo, o cascabulho esvoaçando e o trigo no meio, tudo fora das espigas, completamente limpo, como se já estivesse separado e peneirado. A batedura estava feita, sem um movimento sequer da debulhadora.

Os três nem esperaram por agradecimentos; saíram do pátio e foram embora. Mas a viúva, em vez de se arrepender de sua prepotência e de se contentar com aquela debulha sem cansaço, manda esvaziar o terreiro, pesar e carregar o frumento, e manda trazer para o terreiro outro carregamento de feixes de espigas.

Assim que os homens desamarraram os feixes de espigas, a viúva também pegou um tição e pôs fogo no terreiro. Porém, desta vez, as chamas queimaram a valer, e o trigo ardia estalando como bolinhos na panela. A viúva, com as mãos na cabeça, correu até as imediações da aldeia para alcançar os três viajantes. Assim que os viu, ajoelhou-se e contou sua desgraça. O Senhor, visto que ela se arrependera seriamente, disse a Pedro:

- Vá, salve o que puder e lhe ensine que se deve pagar o mal com o bem.

São Pedro chegou ao pátio e fez o sinal da cruz: a chama se apagou e o trigo chamuscado se juntou num monte. Preto como estava, deformado, arrebentado, não parecia mais frumento; contudo, graças à benção de São Pedro, ainda estava cheio de farinha, e aqueles grãozinhos escuros, miúdos, pontiagudos, foram o primeiro trigo sarraceno que se viu na face da terra.

 

A Mensagem Reencontrada, ou o Relógio da Noite e do Dia de Deus Louis Cattiaux Livro XXIX, 30 “Estranha colheita, onde precisamos procurar uma por uma as espigas de grãos bons, afogadas nos campos de joio! Estranha busca, onde precisamos juntar alguns grãos de ouro perdidos na montanha de areia morta!”

 

Irene no Céu

Manuel Bandeira


Irene preta

Irene boa

Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:

- Licença, meu branco!

E São Pedro bonachão:

- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

 

A Hospitalidade das “Fábulas Italianas” coletadas e recontadas por Ítalo Calvino

(São Paulo, Cia. das Letras, 1992, pp. 113-114)


Certa noite, Jesus e São Pedro, depois de muito andarem pelos caminhos da montanha,chegaram à casa de uma mulher e pediram pousada. A mulher os examinou da cabeça aos pés e disse:

– Não quero saber de vagabundos! – Pelo amor de Deus, senhora!

Mas a mulher lhes bateu a porta na cara.


Pedro, irritadiço como sempre, deu uma olhada ao Senhor como lhe dizendo que sabia o que merecia aquela mulher. Porém o Senhor, sem lhe dar atenção, seguiu adiante e entrou em outra casa, mais pobre, negra de fuligem, onde uma mulherzinha estava fiando junto ao fogo.

– Senhora, poeria nos fazer a caridade de nos deixar dormir aqui esta noite? Andamos tanto que não conseguimos mais mover as pernas.

– Claro! Seja como Deus quiser! Entrem, cavalheiros. E aonde querem ir, a esta hora, que está mais escuro que na boca de um lobo? Farei o que puder; venham para cá, acomodem-se junto ao fogo. Aposto que estão com fome também.

– É, acertou em cheio – disse Pedro.


A mulherzinha, que se chamava dona Catín, pôs quatro gravetos no fogo e começou a preparar o jantar: sopa e feijões novos, que provocaram êxtase em Pedro, e algumas maçãs, que mantinha penduradas nas traves do teto. Depois, levou-os para dormir no feno.

– Abençoada mulher! – disse Pedro, deitando-se feliz.


De manhã cedo, ao se despedirem de dona Catín, o Senhor disse:

– Senhora, aquilo que começar a fazer esta manhã há de continuar a fazer pelo resto do dia – e foram embora.

A mulherzinha se pôs logo a tecer e teceu, teceu o dia inteiro. A lançadeira ia e vinha na trama, e a casa se enchia de tecido, tecido que saía pela porta, pelas janelas, chegava até as telhas. À noite, a comadre Joana veio visitar dona Catín. A comadre Joana era a mesma que havia batido a porta na cara de Jesus e de São Pedro. Ao ver todo aquele tecido, não dá sossego a dona Catín até que esta lhe conte tudo.

Quando soube que os dois forasteiros que expulsara tinham dado aquele presente à vizinha, mordeu os dedos de raiva e perguntou:

– Sabem se tinham a intenção de passar por aqui de novo, os forasteiros?

– Creio que sim; disseram que ima só até o vale.

– Então, se voltarem, mande-os bater à minha porta, suplico-lhe, pois talvez também me concedam uma graça semelhante.

– Com prazer, comadre.


E na noite seguinte, quando os dois peregrinos voltaram a se apresentar à sua porta, dona Catín falou:

– Para ser franca, esta noite estou um pouco atrapalhada; mas vão até aquela casa lá embaixo, da minha comadre Joana, que ela vai se desdobrar em quatro para contentá-los.

Pedro, que tinha boa memória, torceu um pouco o nariz e queria dizer tudo o que pensava da comadre Joana; mas o Senhor lhe fez sinal para se manter calado, e dirigiram-se à casa. A mulher veio ao encontro deles com muitas saudações:

– Oh, boa noite! Os senhores fizeram boa viagem? Entrem, entrem: somos gente pobre mas de bom coração. Querem se aquecer junto ao fogo? Vou preparara o jantar...

Assim, entre tantas saudações, o Senhor e São Pedro comeram e dormiram na casa da comadre Joana e, de manhã, prepararam-se para sair, com a mulher continuando a fazer mesuras.

– Senhora – disse o Senhor – aquilo que começar a fazer esta manhã há de continuar a fazer pelo resto do dia – e foram embora.


“Vou lhes mostrar como se faz!”, disse consigo mesma a comadre, arregaçando as mangas. “Quero tecer o dobro de tecido de dona Catín”. Mas antes de se sentar ao tear, para não ser obrigada a interromper mais tarde, pensou em ir até a estrumeira fazer as suas necessidades. Começa, mas, por mais pressa que tivesse, não conseguia acabar. “Essa é boa! O que está acontecendo comigo? Como é que não acabo... O que me teria feito mal? Com os diabos! Mas será que...”

Depois de meia hora tentou sair de lá e se sentar ao tear. Qual nada! Teve de voltar à estrumeira correndo. E assim passou o dia inteiro. Tudo menos tecido! Foi um milagre não ter transbordado o rio Tagliamento.




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