Textos do Episódio
Fernando Pessoa Guardo ainda, como um pasmo Guardo ainda, como um pasmo
Em que a infância sobrevive,
Metade do entusiasmo
Que tenho porque já tive.
Quase às vezes me envergonho
De crer tanto em que não creio.
É uma espécie de sonho
Com a realidade ao meio.
Girassol do falso agrado
Em torno do centro mudo
Fala, amarelo, pasmado
Do negro centro que é tudo.
Dante Alighieri Inferno, Canto 1: 1-3 “Nel mezzo del cammin di nostra vita Mi ritrovai per una selva oscura Che la diritta via era smarrita” *** Dante Alighieri Inferno, Canto 1: 1-3 tradução de José Pedro Xavier Pinheiro Da nossa vida, em meio da jornada,
Achei-me numa selva tenebrosa,
Tendo perdido a verdadeira estrada.
William Blake
from Songs Of Experience / The Tyger
Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?
In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand dare sieze the fire?
And what shoulder, & what art.
Could twist the sinews of thy heart?
And when thy heart began to beat,
What dread hand? & what dread feet?
What the hammer? what the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? what dread grasp
Dare its deadly terrors clasp?
When the stars threw down their spears,
And watered heaven with their tears,
Did he smile his work to see?
Did he who made the Lamb make thee?
Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?
***
William Blake
das Canções da Experiência / O Tygre
tradução Fabio Malavoglia
Tygre! Tygre! raio ardente,
na selva noturnamente,
Qual eterna mão que havia
Fez feroz tua simetria?
De qual fundo abismo ou céu
soprou a chama no olho teu?
Em qual asa ousou subir?
Em qual mão tal tocha a vir?
Qual suporte, e quanta arte
pôde os nervos entroncar-te?
Que espantoso muque ou mão
Acordou a tambor teu coração?
Qual martelo? Qual corrente?
Qual fornalha fez tua mente?
Qual bigorna ou mando atroz
letais lâminas te impôs?
Quando estrelas lancinantes
luz choraram nos céus d’antes,
Quem te fez, sorriu a olhar-te?
E ao Cordeiro fez destarte?
Tygre! Tygre! raio ardente,
na selva noturnamente,
Qual eterna mão que havia
Fez feroz tua simetria?
Giovanni Pascoli il lampo
E cielo e terra si mostrò qual era:
la terra ansante, livida, in sussulto;
il cielo ingombro, tragico, disfatto:
bianca bianca nel tacito tumulto
una casa apparì sparì d’un tratto;
come un occhio, che, largo, esterrefatto,
s’aprì si chiuse, nella notte nera.
***
Giovanni Pascoli
Relâmpago
tradução de Fabio Malavoglia
E céu e terra numa silhueta: terra ofegante, lívida, num vulto; o céu de estorvo, trágico, ferido: branca branca no tácito tumulto uma casa surgiu num átimo sumido; como um olho que largo, estarrecido, abriu fechou, dentro da noite preta.
Giovanni Pascoli Sapienza
Sali pensoso la romita altura
ove ha il suo nido l’aquila e il torrente,
e centro della lontananza oscura
sta, sapïente.
Oh! scruta intorno gl’ignorati abissi:
più ti va lungi l’occhio del pensiero,
più presso viene quello che tu fissi:
ombra e mistero.
***
Giovanni Pascoli
Sapiência
tradução de Fabio Malavoglia
Subi absorto para a erma altura
onde fazem ninho a águia e a torrente,
e o centro de uma distância escura
jaz, sapïente.
Ah! busca as profundidades inauditas:
mais longe vai o teu olhar etéreo,
mais perto vem aquilo que tu fitas:
sombra e mistério.
Garsilaso de la Vega Soneto XXXVIII
Estoy continuo en lágrimas bañado,
rompiendo el aire siempre con sospiros;
y más me duele el no osar deciros
que he llegado por vos a tal estado;
que viéndome do estoy, y lo que he andado
por el camino estrecho de seguiros,
si me quiero tornar para huiros,
desmayo, viendo atrás lo que he dejado;
y si quiero subir a la alta cumbre,
a cada paso espántanme en la vía,
ejemplos tristes de los que han caído.
sobre todo, me falta ya la lumbre
de la esperanza, con que andar solía
por la oscura región de vuestro olvido. *** Garcillaso de La Vega Soneto XXXVIII tradução de Fabio Malavoglia Sigo sem pausa em lágrimas banhado,
sempre a cortar o ar com um suspiro;
por não ousar dizer-vos mais me firo
que só por vós cheguei a tal estado;
pois vendo aonde estou, e o já andado
pelo caminho estreito a vos seguir,
se tento retornar para de vós fugir,
desmaio, vendo atrás o que hei deixado;
e se quero subir ao alto cume,
a cada passo espantam-me na via,
exemplos tristes dos ali caídos,
sobretudo o que me falta é o lume
da esperança, com que andar soia
pela escura região do vosso olvido.
Olavo Bilac Dentro da Noite (fragmento)
O Amor, que a teu lado levas,
A que lugar te conduz,
Que entras coberto de trevas,
E sais coberto de luz?
Mário Quintana Encontro Era uma dessas mulheres que não se usam mais.
Vestes de trevas e vidrilhos.
Cabeleira trágica.
Olheiras suspeitas.
O grito horizontal da boca.
Surgiu da noite.
Sumiu pela última porta do poema.
Jorge de Lima dos “Poemas Negros” Essa Negra Fulô Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!
Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
"Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
Essa negra Fulô!
Leopoldo Lugones La tarde clara En el jagüel, más trémulo, la rana
Repercute sus teclas cristalinas.
La noche, por detrás de las colinas,
Su ala de torvo azul tiende cercana.
No acaban de decir "hasta mañana",
Locas de inmensidad las golondrinas... ***
Leopoldo Lugones A tarde clara tradução de Fabio Malavoglia No pântano, mais trêmulo, uma rã
Repercute suas teclas cristalinas.
A noite, por detrás dessas colinas,
Sua asa de turvo azul tende anfitriã.
Mal terminam de dizer "até amanhã",
Loucas de céu as andorinhas divinas...
Fabio Malavoglia Memorando Aposento
alto
no abismo habitado,
se debruça
falto
da quarta parede,
sobre o furo
poço
de feito futuro,
puro escuro
salto
no Quinto Elemento.
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