Episódio 48 DA ILUSÃO E SEU AVESSO
Textos do Episódio
Fabio Malavoglia
Solutio
Torres trens
viadutos vigas:
tudo tule
e tinta e tolos
trouxas desse
tonto engodo:
a cena pintada
no telão teatral
a letal metrópole
miragem do todo
véu escuro e noite
treva sobre treva
tal qual uma névoa
que ao primeiro Sol
logo se desfaz.
Eugenio Montale Forse un mattino... Forse un mattino andando in un'aria di vetro, arida, rivolgendomi, vedrò compirsi il miracolo: il nulla alle mie spalle, il vuoto dietro di me, con un terrore di ubriaco.
Poi come s'uno schermo, s'accamperanno di gitto alberi case colli per l'inganno consueto. Ma sarà troppo tardi; ed io me n'andrò zitto tra gli uomini che non si voltano, col mio segreto. *** Eugenio Montale Talvez uma manhã... tradução de Fabio Malavoglia Talvez uma manhã atravessando o ar que faz -se vidro, ao me virar, verei o milagre cumprido: o nada às minhas costas, o vazio atrás de mim, com um terror de bêbado perdido.
Depois, como numa tela, armar-se-ão de repente árvores casas colinas para o costumeiro arremedo. Mas será tarde demais: irei embora silente entre os homens que não se viram, com meu segredo.
Paulo Henriques Britto Uma Doença - II O mundo está fora de esquadro. Na tênue moldura da mente as coisas não cabem direito.
A consciência oscila um pouco, como uma cristaleira em falso. Em torno de tudo há uma aura
que é claramente postiça. O mundo precisa de um calço, fina fatia de cortiça.
Cecília Meireles Murmúrio
Traze-me um pouco das sombras serenas que as nuvens transportam por cima do dia! Um pouco de sombra, apenas, - vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares que a noite sustenta no teu coração! A alvura, apenas, dos ares: - vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança, aroma perdido, saudade da flor! - Vê que nem te digo - esperança! - Vê que nem sequer sonho - amor!
Pedro Kilkerry Sobre um Mar de Rosas que Arde Sobre um mar de rosas que arde Em ondas fulvas, distante, Erram meus olhos, diamante, Como as naus dentro da tarde.
Asas no azul, melodias, E as horas são velas fluidas Da nau em que, oh! alma, descuidas Das esperanças tardias.
Paul Verlaine Le Faune
Un vieux faune de terre cuité
Rit au centre des boulingrins,
Présageant sans doute une suíte
Mauvaise à ces instants sereins
Qui m’ont conduit et t’ont conduite,
Mélancoliques pèlerins,
Jusqu’à cette heure dont la fuite
Tournoie au son des tambourins. *** Paul Verlaine O Fauno tradução de Fabio Malavoglia Um velho fauno de terracota
ri posto ao centro de um canteiro
como um presságio da derrota
do dia sereno em agoureiro
que conduziu-nos numa rota
de melancólicos viageiros
até esta hora que se esgota
e foge ao som de algum pandeiro.
Paul Verlaine
Chanson d’Automne Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.
Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.
Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.
***
Paul Verlaine
Canção de Outono tradução de Guilherme de Almeida Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.
E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.
E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta. *** Paul Verlaine
Canção de Outono tradução de Fabio Malavoglia O plangente alento
de violino e vento
do outono
em mim é um licor
de benção, langor
e sono.
Mas sufocante
lívida adiante
soa a hora,
do que foi então
lembro e sou em vão
quem chora.
E me vou assim
num vento ruim,
que importa?
Vou de cá, de lá,
qual folha que já
cai morta.
Fabio Malavoglia paródia de Paul Verlaine (1993) (do livro Incas Venusianos – rádiopoemas e outros scripts) O teleco teco
do tambor do estio
lota meu éter
de telex e cio
Fabio Malavoglia Canção do Verão (2022) O teleco teco,
tamborim e eco
do estio
vem lotar meu éter
e tira o suéter
no cio.
E bate vibrante
ele todo amante
da hora,
e ao outono então
digo ‘inda verão
o agora.
No compasso sim
do meu querubim,
que importa?
Toco cá, ou lá,
sei que chove já
Na horta.
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