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Foto do escritorFábio Malavoglia

Ep. 65 - Haja paciência!

Eduardo Alves da Costa No caminho, com Maiakovski (trecho) Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada. .............................................................................. Antônio Houaiss introdução do romance "Chongas", de Eduardo Alves da Costa (trecho)


...o romance, numa primeira reação desavisada pode parecer um malogro porque quer parecer um malogro. O que só descobri à segunda leitura. Para evitar-lhe dupla leitura, rogo ao leitor lê-lo como deve, isto é, de pernas para o ar – figuradamente, se o quiser. É quando o romance se revela com os pés fincados numa terra, existente, mas terra sáfara, fadada a malograr todas as sementes. E, se uma obra se propõe algo – no caso, refletir ou traduzir essa esterilidade – este romance realiza-a com mão de mestre. E numa escrita diabalmente aliciante. .............................................................................. Eduardo Alves da Costa Memórias de um Assoviador (trecho do capítulo "Ao Lado de um Cacto, Perto de Las Vegas") ...meu pai achou graça, ele adora animais, especialmente coelho, com batatas coradas, à caçadora, grelhados, por isso nós agora temos, além de 29 coelhos – não sei se o número é esse, porque desde que eu comecei a escrever pode ser que tenham nascido mais sete ou oito, eles são muito rápidos – além dos coelhos temos dois cães, uma tartaruga, noventa e oito pombos, seis gatos e meio (a outra metade foi comida por um cachorro) e um viveiro de pássaros. Eu estava brincando quando disse que meu pai adora coelhos à caçadora, grelhados, etc., na verdade ele é vegetariano e não comeria um coelho nem que você lhe desse um milhão de dólares. Eu não garanto que ele se negasse a comer o coelho por dois milhões de dólares. Aliás, há uma cena, aí adiante, que me deixou com a pulga atrás da orelha, um lance que acontece com uma lebre. Um escritor vegetariano jamais escreveria uma coisa dessas. Vai ver meu pai dá uma de vegetariano só para fins de publicidade, mas depois sai por aí à noite, às escondidas, para comer filé com fritas, coelho à australiana, leitão com farofa. Se um dia você for ao apartamento do meu pai nem vai notar que existe aquela bicharada toda, porque o terraço é imenso, com árvores enormes, tem pitangueiras, pés de carambola, coqueiros anões, goiabeiras, maracujá, melão, melancia, morango, você pode pensar que eu estou inventando, mas é a pura verdade, já quiseram até fazer reforma agrária no terraço do velho. Ele andou estudando a possibilidade de colocar umas vaquinhas indianas lá encima, não sei se você conhece, elas são uma graça, bem pequenas e branquinhas, muito mansas, na Índia são conhecidas como as vaquinhas de Krishna, a Suprema Personalidade de Deus. Tem uma porção delas na cidade onde Krishna nasceu, há cinco mil anos, elas vivem soltas nas ruas, a cidade é lindíssima porque até hoje os habitantes veneram o nascimento de Krishna, pra todo lugar que você olha só existe beleza, muitos jardins e barracas de flores, doces e frutas, eu vi num filme e achei um barato, muito mais interessante que a Disneylândia, eu também me amarro no Disney, principalmente no Pateta que é parecido comigo em certas coisas. Eu sei, você vai dizer que o Disney é um careta, um babaca, e que os filmes dele são água-com-açúcar, mas eu gosto deles e não tenho a menor intenção de lhe pedir desculpas. Se você me julgar um careta igualzinho ao Disney, ou achar que este parágrafo está muito grande e chato, porque eu não lhe dei tempo de respirar nem nada, basta fechar o livro e cuidar de sua vida, ainda estarei aqui quando você voltar, a menos que alguém jogue o livro no lixo, o que não seria má ideia, eu não me considero uma boa influência pra gente da sua idade. Você talvez nem seja adolescente, nesse caso eu creio que poderia estar lendo coisa melhor; ou mesmo que você tenha a minha idade nada impede que troque estas páginas por uma enciclopédia turca ou um romance galego. Agora o parágrafo cresceu ainda mais, vamos fazer uma coisa: se você mostrar esse livro ao seu professor e ele disser “porra, esse cara podia dividir isso em parágrafos menores”, por favor não perca tempo me defendendo e explicando que se trata do meu estilo. Você sabe como é, os professores estão ganhando pouco, o governo só se preocupa em construir estradas, viadutos, metrô, para mostrar serviço, o ensino fica sempre esquecido. Você pode achar os professores uns chatos, mas, pense bem, pra aturar caras como nós eles deveriam ganhar bem mais. Como é que um sujeito vai ensinar alguma coisa a alguém se ele mesmo não sabe se conseguirá chegar vivo ao fim do mês? .............................................................................. Fabio Malavoglia sinopse do conto "A Milésimea Segunda Noite" no livro "A Sala do Jogo", de Eduardo Alves da Costa Para começar o nome do conto, que o Eduardo imaginou como uma história contada por Sherazade, a divina narradora das Mil e Uma Noites... Uma história que ocorre depois que tudo tinha passado, depois que o sultão Shanryar revoga a condenação à morte, adiada a cada noite por uma fábula diferente... Vocês conhecem essa história, a jovem Sherazade é condenada a ser morta na manhã seguinte às suas núpcias, como todas as anteriores esposas do Sultão. De noite, porém, ela começa a contar uma história que, entretanto, é interrompida pelo amanhecer de um novo dia. O Sultão, curioso de saber como a história vai acabar, adia a execução para o dia seguinte, e assim sucessivamente, durante 1001 noites, durante as quais ele se descobre apaixonado por Sherazade, por sua coragem e sabedoria, e por fim revoga definitivamente a terrível sentença, deixando apenas, como lembrança, todos os maravilhosos Contos das Mil e Uma Noites... Pois bem, o Eduardo Alves da Costa dá início a seu relato justamente aí, quando o Sultão, tendo abandonado seu sanguinário modo de proceder, pede mais uma história, mas não para adiar a morte, pois este perigo já não existe, e sim somente para dar prazer e divertir. E Sherazade, a Sábia, obedece: conta que haviam dois jovens amigos na cidade de Jiddah – Ziad e Ismail. O primeiro, um tipo sonhador, poético. O segundo, hábil em ganhar dinheiro. Ambos casados com belas mulheres, felizes, e com filhos saudáveis. Os anos porém, mudam isso. As dificuldades materiais aos poucos arruínam a felicidade de Ziad, pois sua mulher, Fátima, torna-se cada vez mais irritada, exigente e irascível com ele. Ismail, endinheirado, morre de tédio e não ama mais a esposa. Quando os dois se encontram, lamentam suas sortes e se consolam mutuamente. Finalmente, numa briga mais terrível, Ziad se enfurece e repudia sua mulher. Mas se arrepende imediatamente. Ela porém torna-se irredutível, e começam anos amargos para Ziad, que mal pode ver os filhos e jura, em vão, amor à Fátima. Seu único confidente é Ismail. As coisas parecem melhorar quando o triste Ziad se interessa por outra mulher. Quando Fátima ouve falar disso, torna-se menos agressiva, aceita encontrar-se com o ex e ouvir sua proposta de voltarem a ser um casal. Mas ela exige saber se ele se envolveu com a outra, e quando Ziad confessa que sim, a ira de Fátima volta redobrada e esta joga-lhe na cara que também teve um amante; seu amigo Ismail! E Ziad, ferido profundamente, sente-se feito de idiota, sente ódio, e finalmente sai da cidade, desesperado. Lembra então de um velho mestre, Ibn Ishac, de quase 80 anos, do qual fora discípulo na juventude, e que mora isolado, nos arredores de Jiddah. Vai procurá-lo, é recebido, e Ibn Ishac o leva a confessar – num diálogo habilidosamente descrito – a dimensão de seu ódio por Fátima e Ismail, a ponto de desejar mata-los. O mestre lhe faz ver que a crença dele na fraternidade de Ismail, era uma ingenuidade. Que os cínicos e hipócritas são os mais venenosos seres deste mundo. Mas por fim propõe uma solução a Ziad: chamar um vingador. Ziad estranha: um assassino pago? Não, diz Ibn Ishac, um vingador implacável, mas cuja ação não trata consequências, nem para Ziad, nem para o velho mestre. Como ele vai agir não será de tua conta, diz Ibn Ishac, apenas confia-me o assunto, eu o chamarei, e depois de um tempo ele virá, pois uma vez chamado, não pode mais ser detido, e é implacável. Por fim Ziad aceita a estranha proposta e, mais que isso, aceita ir trabalhar com Ibn Ishac, quando este descobre que ele está desempregado. Assim, muda para casa de seu antigo professor e, para sua surpresa, torna-se assistente de seu mestre no secreto laboratório de alquimia que ele mantém no fundo da casa. O conto, a esta altura, muda completamente de clima, digamos assim. Tendo começado como uma história de amor e traição, passa a narrar uma busca alquímica que vai se estendendo por meses a fio. A história de Fátima e Ismail vai ficando lá para trás, às vezes Ibn Ishac pergunta a Ziad se sabe de alguma coisa do casal, por meio da velha empregada da família, mas este sabe dizer pouco, sua ex-mulhe e seu ex-amigo seguem juntos, aparentemente felizes. Ziad pergunta de vez em quando do vingador, mas só recebe como resposta que “o implacável está a caminho”. E os esforços, as dificuldades e as frustrações da busca pela Pedra Filosofal tomam o primeiro plano da fábula e da mente de Ziad. Passam-se assim 3 anos. Até que chega uma noite em que Ziad, procurando um funil no laboratório, abre um baú e ele está... cheio de ouro. O ouro que só poderia ser encontrado nesta quantidade e qualidade por quem possui a Pedra Filosofal, o segredo dos alquimistas. Então ele senta... e chora. E pergunta a seu mestre porque estão trabalhando como loucos há 3 anos, se já tinham o segredo da Pedra Filosofal. Mas Ibn Ishac lhe lembra que propôs a Ziad uma busca, mas não fazê-la por ele. E que se tivesse contado por onde começar, o outro nem se esforçaria. Por fim Ziad ri, encontra o funil e diz – “Espero que tu estejas comigo quando eu achar a Pedra”. Trabalham juntos mais algumas horas naquela noite, e terminam com algumas canecas de vinho. Antes de descansar, Ibn Ishac lhe pergunta: - Tens sabido alguma coisa sobre a situação na casa da tua ex-mulher? Sim – diz Ziad – encontrei a criada há duas semanas e ela me disse que tudo anda mal...Fátima está muito irritada, insatisfeita, e Ismail quase não aparece por lá. Eles foram visto discutindo várias vezes, parece que o amor acabou... E o conto termina com estas palavras: “Ibn Ishac encheu novamente as canecas e fitando Ziad com uma certa tristeza indiferente, disse apenas: Vês? O vingador chegou”.

 


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