Fabio Malavoglia
Implural Todas as palavras: uma!
Todas as palavras: ela!
Todas ela uma: a mesma!
Ela é meu nome: uno!
Uma que é só: o que digo!
Mesma que consigo: mesma!
Se eu já paguei: perguntam!
Como é que vou: comer?
Como chega lá: no riso!
A resposta a isso: tudo!
Se resume na: palavra!
Única que está no: livro!
Páginas nas quais: escrita!
Se revela e vira: mapa!
Rota que leva à: ventura!
Cura das palavras: todas!
Ela entre todas: lavra!
Broto dela mesma: UM!
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Miguel de Cervantes Cupido / del Don Quixote de La Mancha, libro II, capitulo 20 – Yo soy el dios poderoso
en el aire y en la tierra
y en el ancho mar undoso
y en cuanto el abismo encierra
en su báratro espantoso.
Nunca conocí qué es miedo;
todo cuanto quiero puedo,
aunque quiera lo imposible,
y en todo lo que es posible
mando, quito, pongo y vedo
***
Miguel de Cervantes Cupido / do Don Quixote de La Mancha, livro II, capítulo 20 tradução de Fabio Malavoglia
– Eu sou o deus poderoso seja no ar seja em terra e no fundo mar aquoso e em tudo que se encerra no seu abismo espantoso. Invicto, do medo eu troço, tudo o que quero, me aposso, até mesmo do impossível, e naquilo que é possível mando, tiro, ponho e acosso. ...................................................................... Publius Ovidius Naso Metamorfosis I, carmina 232 - 239 Territus ipse fugit nactusque silentia ruris
Exululat frustaque loqui conatur; ab ispso
Colligit os rabiem solitaeque cupidine caedis
Vtitur in pecudes et nunc quoque sanguine gaudet.
In uillos abeunt uestes, in crura lacerti;
Fit lupus et ueteris seruat uestigia formae.
Canities eadem est, eadem uiolentia uultus,
Idem oculi lucent, eadem feritatis imago est. *** Públio Ovídio Naso Metamorfoses I, versos 232 - 239 tradução de Raimundo Nonato Barbosa de Carvalho Ele foge e, aterrado, em campo silencioso,
ulula, em vão tentando falar; ele próprio
recolhe a raiva à boca e ávido de mortes
volta-se contra o gado e em sangue se compraz.
A veste se converte em pêlo e braço em perna;
faz-se lobo e conserva algo da antiga forma:
as mesmas cãs, o mesmo rosto violento,
o mesmo olhar brilhante e um furor idêntico. ...................................................................... Fernando Pessoa Última Nau Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto o pendão
do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério.
Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.
Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço,
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.
......................................................................
Fernando Pessoa
Sim, farei...; e hora a hora passa o dia...
texto completo (no podcast só a parte III)
I
Sim, farei...; e hora a hora passa o dia...
Farei, e dia a dia passa o mês...
E eu, cheio sempre só do que faria,
Vejo que o que faria se não fez,
De mim, mesmo em inútil nostalgia.
Farei, farei... Anos os meses são
Quando são muitos-anos, toda a vida,
Tudo... E sempre a mesma sensação
Que qualquer coisa há-de ser conseguida,
E sempre quieto o pé e inerte a mão...
Farei, farei, farei... Sim, qualquer hora
Talvez me traga o esforço e a vitória,
Mas será só se mos trouxer de fora.
Quis tudo — a paz, a ilusão, a glória...
Que obscuro absurdo na minha alma chora?
II
Farei talvez um dia um poema meu,
Não qualquer coisa que, se eu a analiso,
É só a teia que se em mim teceu
De tanto alheio e anónimo improviso
Que ou a mim ou a eles esqueceu...
Um poema próprio, em que me vá o ser,
Em que eu diga o que sinto e o que sou,
Sem pensar, sem fingir e sem querer,
Como um lugar exacto, o onde estou,
E onde me possam, como sou, me ver.
Ah, mas quem pode ser quem é? Quem sabe
Ter a alma que tem? Quem é quem é?
Sombras de nós, só reflectir nos cabe.
Mas reflectir, ramos irreais, o quê?
Talvez só o vento que nos fecha e abre.
III
Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme. ...................................................................... Ezra Pound Envoi (1919) Go, dumb-born book,
Tell her that sang me once that song of Lawes:
Hadst thou but song
As thou hast subjects known,
Then were there cause in thee that should condone
Even my faults that heavy upon me lie
And build her glories their longevity.
Tell her that sheds
Such treasure in the air,
Recking naught else but that her graces give
Life to the moment,
I would bid them live
As roses might, in magic amber laid,
Red overwrought with orange and all made
One substance and one colour
Braving time.
Tell her that goes
With song upon her lips
But sings not out the song, nor knows
The maker of it, some other mouth,
May be as fair as hers,
Might, in new ages, gain her worshippers,
When our two dusts with Waller’s shall be laid,
Siftings on siftings in oblivion,
Till change hath broken down
All things save Beauty alone *** Ezra Pound Envoi (1919) tradução de Augusto de Campos Vai, livro natimudo,
E diz a ela que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz
Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.
Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós. ...................................................................... Pierre Corneille
A la Marquise Marquise, si mon visage
A quelques traits un peu vieux,
Souvenez-vous qu’à mon âge
Vous ne vaudrez guère mieux
.
Le temps aux plus belles choses
Se plaît à faire un affront,
Et saura faner vos roses
Comme il a ridé mon front.
Le même cours des planètes
Règle nos jours et nos nuits
On m’a vu ce que vous êtes;
Vous serez ce que je suis.
Cependant j’ai quelques charmes
Qui sont assez éclatants
Pour n’avoir pas trop d’alarmes
De ces ravages du temps.
Vous en avez qu’on adore;
Mais ceux que vous méprisez
Pourraient bien durer encore
Quand ceux-là seront usés.
Ils pourront sauver la gloire
Des yeux qui me semblent doux,
Et dans mille ans faire croire
Ce qu’il me plaira de vous.
Chez cette race nouvelle,
Où j’aurai quelque crédit,
Vous ne passerez pour belle
Qu’autant que je l’aurai dit.
Pensez-y, belle marquise.
Quoiqu’un grison fasse effroi,
Il vaut bien qu’on le courtise
Quand il est fait comme moi. ***
Pierre Corneille Para a Marquesa
Tradução de Fabio Malavoglia Marquesa, se o meu semblante Exibe traços algo idosos, Lembrai que a vós não se garante
Em idade igual, melhores gozos.
O tempo às coisas mais formosas Apraz secar as belas fontes. Fenecerá as vossas rosas Como riscou a minha fronte. É o mesmo círculo de sóis Que regra os dias no seu vôo Eu já me vi tal qual vós sois
E vós sereis tal como sou. Possuo porém certos encantos Que até são bem resplandecentes De modo que não temo tanto Do tempo o estrago e seu poente. O mundo aos vossos louva e adora; Mas esses meus que desprezais Podem durar além da hora Que aqueles lá não tereis mais. Pois poderão salvar a glória
De olhos que vi e achei tão doces E dar mil anos à memória Do que em vós prazer me fosse. Eu junto a tal raça futura Serei quem sabe creditado, Dir-se-á de vós a formosura Daquilo que eu tiver cantado. Nisso pensai, marquesa bela: Se a que o grisalho antes temeu
Ao cortejar daria sequela
Se fosse alguém tal como eu.
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