Textos do Episódio
................................................................... Cecília Meireles Ai, palavras Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai palavras,
sois o vento, ides no vento,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois audácia,
calúnia, fúria, derrota…
A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora…
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam…
.................................................................... Carlos Drummond de Andrade A palavra Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a. .....................................................................
Paulo Leminski
até mais
Até tu, matéria bruta,
até tu, madeira, massa e músculo,
vodka, fígado e soluço,
luz de vela, papel, carvão e nuvem,
pedra, carne de abacate, água de chuva,
unha, montanha, ferro em brasa,
até vocês sentem saudade,
queimadura de primeiro grau,
vontade de voltar pra casa?
Argila, esponja, mármore, borracha,
cimento, aço, vidro, vapor, pano e cartilagem,
tinta, cinza, casca de ovo, grão de areia,
primeiro dia de outono, a palavra primavera,
número cinco, o tapa na cara, a rima rica,
a vida nova, a idade média, a força velha,
até tu, minha cara matéria,
lembra quando a gente era apenas uma ideia?
.................................................................... Sophia de Mello Breyner Andresen
Pátria Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro
Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Dum longo relatório irrecusável
E pelos rostos iguais ao sol e ao vento
E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas
– Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro
Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo.
....................................................................
Jorge LuIs Borges A un poeta sajón
Tú cuya carne que hoy es polvo y planeta,
pesó como la nuestra sobre la tierra,
tú cuyos ojos vieron el sol, esa famosa estrella,
tú que viviste no en el rígido ayer
sino en el incesante presente,
en el último punto y ápice vertiginoso del tiempo,
tú que en tu monasterio fuiste llamado
por la antigua voz de la épica,
tú que tejiste las palabras,
tú que cantaste la victoria de Brunanburh
y no la atribuiste al Señor
sino a la espada de tu rey,
tú que con júbilo feroz cantaste las espadas de hierro,
la vergüenza del viking,
el festín del cuervo y del águila,
tú que en la oda militar congregaste
las rituales metáforas de la estirpe,
tú que en un tiempo sin historia
viste en el ahora el ayer
y en el sudor y sangre de Brunanburh
un cristal de antiguas auroras,
tú que tanto querías a tu Inglaterra
y no la nombraste,
hoy no eres otra cosa que unas palabras que los germanistas anotan.
Hoy no eres otra cosa que mi voz
cuando revive tus palabras de hierro.
Pido a mis dioses o a la suma del tiempo
que mis días merezcan el olvido,
que mi nombre sea Nadie como el de Ulises,
pero que algún verso perdure
en la noche propicia a la memoria
o en las mañanas de los hombres. *** Jorge Luís Borges A um poeta saxão tradução de Fabio Malavoglia
Tu cuja carne, que hoje é pó e planeta,
pesou como a nossa sobre a terra,
tu cujos olhos viram o Sol, essa famosa estrela,
tu que viveste não no rígido ontem
mas no incessante presente,
no último ponto e ápice vertiginoso do tempo,
tu que em teu monastério foste chamado
pela antiga voz da épica,
tu que teceste as palavras,
tu que cantaste a vitória de Brunanbuhr
e não a atribuíste ao Senhor
mas à espada de teu rei,
tu que com júbilo feroz cantaste as espadas de ferro,
a vergonha do viking,
o festim do corvo e da águia,
tu que na ode militar congregaste
as rituais metáforas da estirpe,
tu que num tempo sem história
vistes no agora o ontem
e no suor e sangue de Brunanbuhr
um cristal de antigas auroras,
tu que tanto amavas a tua Inglaterra
e não a nomeaste,
hoje não és outra coisa que umas palavras que os germanistas anotam.
Hoje não és outra coisa que a minha voz
quando revive tuas palavras de ferro.
Peço a meus deuses ou à soma do tempo
que meus dias mereçam o olvido,
que meu nome seja Ninguém, como o de Ulisses,
mas que algum verso perdure
na noite propícia à memória
ou nas manhãs dos homens. ....................................................................
Emily Dickinson A Word A word is dead
When it is said,
Some say.
I say it just
Begins to live
That day. *** Emily Dickinson Uma Palavra tradução de Fabio Malavoglia É uma morta
Palavra a dita,
Alguém dizia.
Digo que é justo
Ali que vive
Naquele dia. .................................................................... Donizete Galvão
Fiapos
Sei que sei
não sei bem o quê.
Saber não revelado,
ainda envolto em
membrana de placenta.
Lembro-me de que preciso
lembrar de uma coisa
que não deveria ser esquecida.
Lembrar de quê?
De um território que se espraia
em sua mudez de azul?
De uma palavra soprada
em tempos de antes de eu nascer,
que na tarefa de viver
caiu no esquecimento?
Num lapso, às vezes,
parece que me lembro
e a lembrança passa
sem que fique registro.
A luz de Apolo
roça minha cabeça
sem que arrebatá-la
eu possa.
Por ela, esmolo.
Rendo sacrifícios.
Ignora-me.
Vai-se embora
com suas chispas.
Ficam fiapos,
cacos, esboços.
Logo, desmemoriado,
quedo-me cego
e abandonado. ...................................................................... Fabio Malavoglia Ao remetente
amigo missivista / antigo epistolário / paciente escriturário
que perfilou fileiras / a sílaba altaneira / a letra posta à beira
palavra derradeira / descendo essa ladeira
do alto onde assoma / a torre sinaleira / o píncaro luzente
da carta em sua origem / a marca da vertigem
do precipício abaixo / ao pântano onde vigem
as leis da barafunda / a horda sem comando
desmandos coisa torta / inextricável selva / da qual somente a tua
mensagem companheira / pode trazer um mapa / saída pela Lapa
ao cume ao Jaraguá / caminho de armadilha / terreno pontilhado
de corpo estraçalhado / o campo já minado / e a linha de tua pena
traçando o fio sutil / da via decifrada / a dica essa barbada
galope amartelado / em busca da chegada / campeão nessa disputa
do prêmio do recado / que apenas tu envias / e nós faz agraciados ......................................................................
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